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Uma nota sobre Reich

Desenho de Lucas Abi Rached Tannuri

Wilhelm Reich (1897-1957), psicanalista de origem austríaca, discípulo de Sigmund Freud, foi quem introduziu de fato “o corpo” na psicanálise, desenvolvendo uma pressuposição do próprio Freud de que o ego, antes de tudo, é corporal. Ele foi o responsável pela criação, a partir da Psicanálise, de uma abordagem terapêutica para além das intervenções verbais. Essa abordagem terapêutica foi inicialmente chamada de Vegetoterapia Caractero-Analítica e, posteriormente, de Orgonoterapia. Hoje também é comum denominar essa prática terapêutica simplesmente “Psicoterapia Reichiana”.

Reich ingressou na IPA (Associação Internacional de Psicanálise), em 1920, quando era ainda estudante de medicina. Em 1921 passou a atender pacientes encaminhados por Freud, na Clínica Psicanalítica de Viena, da qual mais tarde foi eleito diretor. Em 1922 criou, com apoio de Freud, o Seminário de Técnica Psicanalítica de Viena, cujo objetivo era tanto a pesquisa quanto o aperfeiçoamento da abordagem psicanalítica. A partir de seus estudos sobre a prática clínica da transferência e da resistência, Reich elaborou a “Análise do Caráter”, uma das mais relevantes contribuições para a abordagem clínica psicanalítica.

A tentativa de compreender as origens sociais das doenças mentais e buscar métodos de prevenção das neuroses fez com que Wilhelm Reich desenvolvesse um trabalho sociopolítico intenso com a juventude operária alemã, trabalho que ficou conhecido como Sexpol. Porém, sua atuação político-social acabou lhe custando muitas perseguições, pois, nessa época, a Alemanha estava vivendo a ascensão do nazismo. Custou-lhe, inclusive, o seu desligamento da IPA, uma vez que seus dirigentes temiam que seu envolvimento político pudesse ameaçar a sobrevivência da Instituição na Alemanha de Hitler. Reich, então, refugiou-se em Oslo, na Noruega, em 1934.

Foi na Universidade de Oslo, a partir de sua pesquisa clínica e experimental sobre a dinâmica biopsíquica das emoções, que ele descobriu o fenômeno do encouraçamento, comprovando aspectos fundamentais da relação entre soma e psiquismo. Suas pesquisas sobre a energia orgônica forneceram novo embasamento às antigas concepções energéticas, possibilitando correlacioná-las aos pressupostos freudianos de libido e energia psíquica e demonstrando sua relação com a sexualidade.  As pesquisas de Reich sobre a biopatia do câncer demonstraram como esta e outras tantas patologias são resultantes de um processo longo de desequilíbrio emocional e bioenergético.

Nesse sentido, Reich foi um importante pioneiro no estudo dos fenômenos psicossomáticos. Seus estudos e descobertas não se limitaram apenas a explicar o envolvimento psíquico nas doenças orgânicas, mas também o envolvimento de disfunções corporais no caráter neurótico e nas psicopatologias.

Para Reich, o físico, o biológico e o psíquico não estão separados e permanecem em eterno diálogo: a neurose acomete o corpo físico legando a ele estruturas de encouraçamento muscular e consequentemente submetem a respiração e o equilíbrio energético. A couraça muscular se manifesta na rigidez e nas tensões musculares ou na hipotonia (falta de tônus muscular), criando limitações para a mobilidade espontânea, natural e também acarreta uma diminuição na sensibilidade. O organismo se encouraça num processo de defesa que remonta às estruturas infantis. Consequentemente, para Reich, todo enrijecimento resultante desse processo impede o livre fluxo da vida, limitando o indivíduo a vivenciar o prazer, em função da estagnação de energia que se instala no organismo em sua totalidade, bem como o afasta do desprazer, por causa do excesso de defesa que o protege da dor. A couraça vem da neurose ao mesmo tempo em que garante sua perpetuação: um organismo encouraçado sustenta a neurose e impede a qualidade de vida.

O que está por trás da couraça, que representa a defesa, é o caráter: “O caráter é o cavaleiro medieval, a armadura, sua defesa” (LOWEN, 1977, p.130).  A partir de Reich e com as contribuições das linhas da Psicologia Corporal é possível determinar o tipo caractereológico de uma pessoa tanto pela análise de seu comportamento como pela análise de suas atitudes corporais, conforme esta é revelada no movimento e na forma.

O caráter não corresponde à personalidade da pessoa e não encontra paridade no significado previsto pelo dicionário. Na célebre obra “Análise do Caráter”, Reich (1949, p.48) pontua: “o caráter na vida diária e a resistência do caráter na análise servem à mesma função, ou seja, a de evitar o desprazer, a de estabelecer e manter o equilíbrio psíquico – mesmo que este seja neurótico – e, finalmente, a de absorver as energias reprimidas”. Isto é, a formação do caráter advém das mesmas experiências infantis que produzem a resistência da pessoa na terapia. Na terapia, o indivíduo se depara, em função das transferências ocorridas, com situações similares às da infância, as quais, por sua vez, puseram em movimento a formação do caráter.