Pular para o conteúdo

Uma introdução ao pensamento complexo (MORIN)

Bacia

(O ensino no EaD RAIZ é também guiado pelo pensamento complexo)

A maioria de nós veio de uma educação formal que ensinou a separar e isolar as coisas. De acordo com Edgard Morin (2002), estamos muito acostumados a separar os objetos de seus contextos, assim como separamos a realidade em disciplinas compartimentadas umas das outras e sem aparente relação entre si; somos acostumados a raciocinar a partir de uma lógica mecanicista, que pressupõe uma previsão e uma predição. Porém, a realidade, ao contrário do que se pensa, é feita de laços, relações e interações. A realidade é um complexus, como explica o autor, isto é, é feita de um tecido que vai tecendo e entrelaçando o todo.

Cada vez mais percebemos o mundo permeado de incertezas, de forma que a crença no determinismo universal, dogma da ciência até o século passado, não supre mais a diversidade de perspectivas que a vida comporta. O conhecimento se torna de fato pertinente quando é possível transportá-lo para um contexto mais global, em que as partes se inter-relacionam e contenham o todo, relacionem-se de forma histórica, biológica, ou seja, compreendam um ciclo. O conhecimento isolado, descontextualizado, mesmo quando muito sofisticado, corre o sério risco de incorrer ao erro e à ilusão.

Mas pensar o mundo como um complexo ou a partir do conceito de complexidade não é tarefa fácil. Dentre os pensadores mais recentes, foi Morin (no Método) quem lançou o desafio cognitivo de elaborar e encontrar operadores, instrumentos do conhecimento que permitam abordar a complexidade de forma efetiva.

O pensamento de Edgard Morin nos parece pertinente para a discussão a respeito de grupos e liderança, e mais do que isso: a noção de complexidade é o que fundamenta não só a compreensão do objeto de estudo (grupo, papel do líder), mas é a própria forma de apreensão, é o próprio método. Encarar um objeto de estudo a partir da complexidade supõe apreendê-lo – acreditamos – de formas variadas, multidisciplinar.

Mas, se isso tudo soou complicado, calma, nós nos faremos entender conforme os conceitos e a forma de apreendê-los se apresentam, e o leitor verá que, na verdade, a complexidade nos é mais cara e próxima do que supomos. Falemos dos conceitos de Morin, então.

O primeiro instrumento para se pensar a complexidade é a noção de sistema. Um sistema pressupõe um conjunto de partes diferentes, unidas e organizadas. A sociedade, por exemplo, (em menor escala, o grupo!) é um sistema complexo, constituída de indivíduos e grupos sociais muito diferentes entre si. Mesmo que assim seja, não podemos conceber a sociedade a partir desses grupos isolados; é preciso sobremaneira juntar as partes ao todo e todo às partes para que se possa alcançar alguma compreensão do fenômeno.

A essa ideia está intrínseco o fato da sociedade produzir linguagem, cultura, regras, leis, etc. que ela mesma retroage sobre os seus integrantes. O conjunto produz e reproduz. Isso quer dizer que um todo organizado produz qualidades e propriedades que não existem nas partes tomadas isoladamente. Falemos a respeito desse conceito no patamar da biologia. Uma bactéria[1], por exemplo, contém em si unicamente elementos químicos encontrados na natureza. A vida é constituída por moléculas, porém a organização da vida tem qualidades que não estão presentes nessas mesmas moléculas tomadas de forma isolada. Tais qualidades equivalem a poder se mover, conhecer e regenerar.

Por isso é necessário pensar o mundo a partir de sua própria constituição complexa, isto é, pensá-lo a partir da sua constituição em sistemas e organização, pois tudo na natureza (e para além) é “feito” da organização de elementos diferentes (átomos, moléculas, seres vivos, ecossistemas, sociedade, etc.). Em menor escala, um grupo se faz a partir da heterogeneidade de seus membros, e o que se produz no todo, dificilmente se produz em âmbito individual. O produto do todo retroalimenta o sistema constituído pelo grupo.

Assim, o outro operador ou instrumento do pensamento complexo é a noção de circularidade, que diz respeito ao caráter retroativo do sistema. Ao contrário do pensamento linear de que toda causa tem um efeito, a circularidade sugere que todo efeito volta à causa. Junto com esse conceito vem uma terceira ideia de circularidade autoprodutiva. Por exemplo, os indivíduos produzem a sociedade; uma vez sem indivíduos, não haverá sociedade. A própria sociedade, com sua cultura, sua linguagem, retroage sobre os indivíduos, produz seres culturais. Somos ao mesmo tempo produtos e produtores.

Para Morin (2002), por exemplo, numa briga ou num conflito, não há uma pessoa certa e outra errada geralmente e sim uma circularidade na incompreensão que leva as pessoas ao conflito e à incompreensão novamente. Vale pensar a respeito disso quando estamos num grupo.

Morin_Gráfico 1

O quarto operador é o que Morin chamou de “hologramático”. Esse instrumento pode ser facilmente entendido e observado quando pensamos no organismo humano. Todo organismo é constituído de 80 a 100 bilhões de células, sendo que cada célula contém a totalidade do patrimônio genético. Isso pressupõe dizer que a parte está dentro do todo assim como o todo está no interior das partes. Todo indivíduo está dentro da sociedade, mas é possível ver a sociedade como um todo dentro de cada um, desde o seu nascimento. Isto é, desde o nascimento nos são inculcadas as normas, as proibições, a linguagem e própria presença da sociedade entre nós.

Morin_Gráfico 2

O quinto operador é o dialógico. A partir desse operador, para que de fato possamos entender a complexidade dos fenômenos, concebemos duas ideias ou conceitos a priori antagônicos como complementares entre si. Para exemplificar, Morin fala de Heráclito, filósofo da Antiguidade, que formulou a famosa sentença: “viver de morte e morrer de vida”. Trata-se de uma fórmula paradoxal cujo resultado é a junção de duas sentenças antagônicas – vida e morte. Entretanto, se olharmos para o funcionamento do corpo humano, veremos que as células estão em constante renovação, as que morrem são substituídas por outras novas.

Dito de outra forma, podemos pensar que a vida só se sustenta pela morte – morrer é um processo que se dá a partir do rejuvenescimento. Assim como a própria sociedade se mantém de seus mortos, pois a cultura pode ai ser transmitida e renovada pelas novas gerações. Eis o operador dialógico: a vida integra a morte. Os próprios ecossistemas também são assim: há uma circularidade que se retroalimenta e ao mesmo tempo o ciclo é de vida e de morte.

Stanley Keleman, o idealizador da Psicologia do Processo Formativo[2], também fala em “viver o seu morrer” (Viver o seu morrer, 1997), de forma que comportamos pequenas mortes essenciais até finalmente a nossa derradeira. A morte está para o corpo físico assim como está para o emocional. Diz que não sabemos viver nosso morrer exatamente por que separamos mente e corpo, numa desconexão que nos afasta de nós mesmos, de nossas sensações mais profundas – a morte é uma delas. Keleman fala da morte como uma grande virada; morrer estabelece novas direções, abrir mãos de padrões velhos e ineficazes; fala, inclusive, de uma excitação (vida) da qual esse processo é prenhe. O morrer deve ser visto como um processo que não nega a vida, mas como lugar de transição. O que há, na verdade, são mitos em relação à morte que a romantizam com a intenção de negá-la.

Morin_Gráfico 3

Outro operador fundamental e indispensável nas ciências humanas, apontado por Morin, é o que permite aproximar, juntar, aquele conhece ao seu conhecimento – o pesquisador ao objeto da pesquisa (diferente da premissa científica que o objeto de estudo deve permanecer separado do estudioso). Também parte da ideia de que o pesquisador não tem um ponto de vista objetivo a ponto de dominar seu conhecimento e entendimento completamente imparcial desse mesmo objeto. Por exemplo, um sociólogo não conseguirá ver a sociedade de forma isenta, afinal ele é parte dessa mesma sociedade e a sociedade está dentro dele. Ele deve saber que todo conhecimento e toda construção de conhecimento, partindo desse pressuposto, é relativo. Diz Morin (p.17):

A introdução do conhecedor no conhecimento é indispensável nas ciências humanas. É também indispensável para a nossa reflexão sobre a ciência da natureza saber quem somos nós na nossa história da vida? Nós não somos a finalização lógica da evolução biológica. Essa evolução aconteceu em todas as direções, foi animal e vegetal, e, depois de toda uma sequência de linhagem, desembocou na humanidade. Nós somos um elemento na história da vida, da mesma forma que nós consideramos hoje o cosmos, estamos num pequeno planeta, satélite do sol de periferia que, por sua vez, faz parte de uma galáxia periférica – a da Via Láctea. É impossível considerar a humanidade o centro do mundo, é impossível pensar que o objetivo da humanidade seja conquistar a natureza. Se integrarmos o nosso conhecimento, poderemos situar-nos com nossa consciência, uma consciência mais válida do que se não fizéssemos esses exames.

Morin_Gráfico 4

  Quando falamos desses instrumentos (operadores), falamos de estrutura de pensamento (pensamento complexo). Isto é, uma mudança paradigmática na forma como estamos acostumados e fomos educados para pensar desde muito cedo. É preciso entender que essa mudança é bastante difícil, pois os paradigmas são estruturas que estão presentes em cada um de forma inconsciente e comandam nossos discursos. A história do pensamento ocidental está fundamentada pelo paradigma da disjunção, separação. Se passarmos rapidamente pela história do pensamento, veremos que o espírito foi separado da matéria, a filosofia da ciência, a arte da ciência, etc., o próprio sujeito do conhecimento do conhecimento, do objeto. Por isso que é tão difícil pensar a partir das ligações e inter-relações entre os saberes, como ocorre no pensamento complexo.

Nas bases do pensamento complexo, que se fundamenta nas relações, estão conceitos éticos e existenciais de solidariedade. A própria relação entre as partes, no âmbito formal e estrutural do pensamento, pressupõe a solidariedade e a compreensão entre os “diferentes” já num primeiro nível e isso se sobrepõe para outros níveis a ponto de gerar esse sentido ou disposição ética no todo. Junto a tudo isso, junto ao pensamento complexo, está a centelha do conceito de ecologia, conceito global da relação do homem com o todo, que será bastante utilizado neste curso, para falar dos grupos.

Então, propomos desde já, nesse primeiro momento, tal qual num âmbito celular, um estudo formulado por diferentes óticas teóricas, que se complementam ao invés de se distanciar; um estudo que prima por tratar o assunto de forma multidisciplinar, sabendo que a compreensão de algo se dá antes por sua apreensão por diferentes linguagens.  Assim como a ideia não é que você abandone seus conceitos, mas possa dialogá-los com novos conceitos ou novas formas de construir a reflexão.

Acreditamos que o ensino a distância possibilita a multidisciplinaridade de forma que

[1] Os exemplos aqui são extraídos do próprio Morin.

[2] Os estudos de Stanley Keleman compõem o arcabouço teórico da Psicologia Corporal, pós-reichiana.

REFERÊNCIAS
CASTRO, G.(coord.). Ensaios de Complexidade. Porto Alegre: Sulina, 2002.
KELEMAN, S. Viver o seu morrer. São Paulo: Summus Editorial, 1997.
MATURANA, H. e VARELA, F. A árvore do conhecimento. Campinas, SP: ed. Psy II, 1995.
MORIN, E. Método III: O conhecimento do conhecimento. Portugal: Publicações Europa-
América, 1986.
MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1991. 12

Gostaria de receber mais informações sobre o Instituto Raiz clínica escola de Psicologia Corporal? Cadastre-se em nossa Newsletter [wysija_form id=”2″]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *