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Deixar-se cair: Aspectos do desenvolvimento da depressão dentro da Psicologia Corporal

Imagem: Obra de Van Gogh

A depressão e o corpo

A obra de Alexander Lowen (1983), O Corpo em Depressão, aborda aspectos bastante profundos a respeito da depressão, fazendo dialogar o tempo todo esta condição psíquica com o corpo físico / biológico. O livro é complexo e seu fundamento bebe da Psicanálise do austríaco Wilhelm Reich. Reich entendia o ser humano com um todo interligado: o homem é biológico, psicológico e social ao mesmo tempo, sendo que um elemento está inter-relacionado e é dependente do outro.

Neste pequeno texto, abordaremos uma das questões que Lowen traz ligada ao “deixar-se cair”, que, a priori, pode soar como um paradoxo: a pessoa numa condição depressiva já não estaria “caída”? Ou, então, “deixar-se cair” não seria pior ainda? Lowen, trabalhando clinicamente com seus pacientes, percebeu que determinados exercícios, quando utilizados dentro de um processo terapêutico, poderiam ser significativos para se alterar uma situação biopsiquica cuja correspondência é a “inércia”. O movimento espontâneo denota fluidez energética ao corpo tornando-o desperto, vivo. Quando há um embotamento, um represamento de sentimentos e emoções principalmente negativas, instala-se uma interdição do movimento. O movimento aqui deve ser entendido também como a espontaneidade do sentir, do agir, do expressar-se.

De certo modo, “deixar-se cair” tem um sentido de desistir. Lowen pedia para que as pessoas se sustentassem até que o “deixar-se” fizesse de fato sentido e, quando elas caíam, deveriam dizer: “eu desisto”. O exercício é muito mais complexo do que exemplificamos aqui, há um processo que o acompanha antes, durante e depois que não nos cabe aqui descrever, uma vez que nossa finalidade é outra: pensar a partir desta metáfora preciosa, “deixar-se cair”.

No exercício proposto por Lowen, geralmente, o movimento era acompanhado pelo choro, pela sensação de exaustão, etc. Ou seja, algo profundamente reprimido poderia finalmente ter espaço para expressão verdadeira. O choro, a raiva tinham um efeito imediato de alívio. Vamos estender a discussão: deixar-se cair pode encontrar paridade no orgasmo e, aqui, trata-se de uma referência à Wilhelm Reich, que postulou o orgasmo como um restabelecimento biopsiquico do organismo. O orgasmo corresponde a uma entrega corpórea intensa, pois se aproxima da ideia da “supressão” dos mecanismos de controle do ego para a primazia da biologia, da natureza, que reverbera, depois, em reequilíbrio psíquico. Orgasmo em francês tem a ver com algo do tipo “pequena morte” e, para os hindus, significa “morrer no outro”. O medo da entrega (deixar-se cair) é, de certa forma, o que antecede a entrega ao amor, aos sentimentos.

O exercício proposto por Lowen era acompanhado na sequência pelo grounding, uma espécie de postura cujos pés firmam no chão dando sustentação ao corpo, trata-se de um enraizamento. Estar enraizado significa estar com “os pés no chão”, mais próximo da realidade e longe do delírio da ilusão. É estar pleno e consciente de suas reais possibilidades; de estar “em seu próprio corpo” tal qual uma assumpção de si mesmo. Uma relação biopsiquica em que o ego não ultrapassa seus limites corporais.

De acordo com Lowen, dentre outros autores, as pessoas que vivem estados depressivos geralmente têm expectativas irreais sobre vida e sobre si mesmos. Almejam algo querendo, na verdade, outra coisa. Querem ter sucesso para a partir daí poderem ser amadas e reconhecidas, por exemplo. Querem reparar uma situação de rejeição, de desafeto, de desamor, de abandono vivida na infância e que não pode mais ser refeita na vida adulta, mas que insistem em resgatá-la. Porém, entender tudo isto apenas de forma cognitiva é muitas vezes complicado e difícil. Por isto, que o corpo pode ser uma via para se restaurar um senso de si perdido; para que o intelectível se aproxime do sensível.

Na obra O filho eterno de Cristovão Tezza (2007), o narrador relata a angustiante luta de um pai em aceitar o filho com síndrome de Down e, num determinado momento, ele passa a entender que aquele filho tem uma inteligência que passa pelo afeto e por uma sensibilidade que vem do corpo. Apesar de suas expressões diferentes do que se espera de um corpo “normal”, havia ali um entendimento do mundo que passava antes pelo sensível muitas vezes inapreensível num mundo tão “mental”. Reencontrar-se com os próprios sentidos pode ter um efeito de abertura para si mesmo, para um cair-se em si mais libertador; apercebendo-se do mundo real, do tempo e do espaço presentes.

Deixar-se cair, neste sentido, é fazer com que o ego e o corpo fiquem próximos ao chão – tal qual no exercício de Lowen -, assentados na realidade dos fatos, em que o corpo acorda para suas necessidades de sentir e expressar-se, de amar e ser amado e que ego desiste de suas pretensões narcísicas defensivas.

Estar próximo ao chão traz, em alguma medida, para além da noção de estar na “realidade”, a ideia da aproximação da morte e também do útero… A falta de movimentos afetivos, a falta de articulação de afetos desde a infância podem gerar movimentos mecânicos pouco espontâneos e que podem estar presentes nos corpos de homens e mulheres com dificuldades de se entregar para o amor. A entrega pressupõe uma passagem pelo medo da morte. A depressão, em suas inúmeras nuances, pode ser compreendida como um posicionamento aflito, inerte perante este desafio da entrega, perante o desafio que representa “deixar-se cair”, liberar-se perante o medo da morte, da entrega, do amor… de deixar-se cair em si mesmo.

Susana Z. Scotton e Equipe Raiz

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