A Circulação da Pulsão Libidinal e as Terapias Psicorporais.

 

Susana Z Scotton

O objetivo deste breve texto é discutir de maneira bastante simplificada a ideia de pulsão libidinal para as teorias da Psicologia Corporal como a circulação libidinal propriamente.

 

Às voltas sobre a discussão dos benefícios das terapias e o bem estar conquistado com o auxílio das mesmas, torna-se imprescindível falar sobre a libido. Freud – falemos disto de forma bastante resumida – postulou a libido como uma energia sexual, de autopreservação, uma energia vital.  A libido não está relacionada somente com a sexualidade, mas também está presente em outras áreas da vida como, por exemplo, nas atividades culturais, caracterizadas pela sublimação da energia libidinosa.

Wilhelm Reich, levando em consideração os estudos de Freud, escreveu uma obra bastante famosa, intitulada Função do Orgasmo (1927), em que ele fala do orgasmo como um regulador natural do organismo, com possibilidades de descarga das neuroses, que, para ele, estão associadas – são interdependentes – do sistema biológico humano. Posto isto, o orgasmo funciona como uma espécie de tensão (carga – excitação) com a possibilidade de um relaxamento benéfico para todo corpo, trabalhando para a dissolução dos conflitos “impregnados” no corpo físico e para o retorno da circulação libidinal por todo corpo. Pensemos na circulação libidinal como um rio que precisa fluir, seguir. Se há um bloqueio no meio de seu percurso, há um acúmulo, uma tensão que precisa ser descarregada. 

Na verdade, a possibilidade de relaxamento, advindo de uma entrega total, propicia um bem estar físico e emocional, que estão relacionados ao “sentir-se” bem na própria pele. Quando crianças temos um sentimento “oceânico”, relacionado ao “sentir-se bem com o que se tem” e simplesmente “por ser”; há um contentamento interior que independe do exterior, pois há uma circulação libidinal autônoma. Com o passar dos anos, esta sensação costuma ser interrompida e associamos o bem-estar ao outro aos estímulos externos; é como se nos desapropriássemos de nossos próprios corpos. O outro é fundamental, essencial, e os estímulos culturais são bem vindos, mas a sensação de estar bem consigo mesmo não necessariamente está associada a estes fatores. O que geralmente ocorre é associarmos a felicidade ao outro. 

Para Reich e para as demais terapias Psicorporais, o reencontro com o orgânico, com o biológico, proporcionado por momentos de relaxamento, como ocorrem no orgasmo, podem propiciar este retorno ao sentimento oceânico de bem estar, de amor. Isto por que quando há um relaxamento profundo, possibilidade de descarga – dizendo de uma maneira bem simples – há a possibilidade de dissolução dos conflitos plasmados nas células do corpo e o retorno da circulação energética por todo o corpo. Sendo a libido uma energia vital, circula por todo organismo de forma a revitalizá-lo, caso haja uma “barreira neurótica” que impeça sua circulação, o organismo como um todo pode se desequilibrar. O desequilíbrio pode levar a doenças sérias e há comportamentos prejudiciais.  

De acordo com Gerda Boyesen, fundadora da Psicologia Biodinâmica (Psicologia de base reichiana), a função do orgasmo é apenas uma das possibilidades de se levar o organismo ao equilíbrio bio-psico (e consequentemente social). Há formas mais “sutis” de descarga, como uma boa noite de sono, uma respiração adequada e, para a Psicologia Biodinâmica, os movimentos peristálticos, os quais Gerda chamou de “psicoperistalse”. 

Os movimentos peristálticos ocorrem durante o processo digestivo para deslocar o bolo alimentar e o quimo (nome do bolo alimentar a partir do intestino). Neste movimento há a contração e o relaxamento dos músculos ligados a esta função. Para Gerda, o canal digestivo, considerado desde a boca até o ânus, seria nosso “canal emocional”. De fato, quando estamos com alguma preocupação comemos mais ou deixamos de comer. Se há um estresse muito forte, um medo, há um funcionamento intenso do intestino ou um “bloqueio” e assim por diante. 

Do outro lado, quando há um bom funcionamento dessas funções a circulação libidinal é possibilitada. A consequência disto é o aparecimento do “eu verdadeiro”, primordial, autêntico e as capacidades criativas são recuperadas, a autoconfiança retorna e a consciência de si é desenvolvida com mais maturidade. O respeito por si mesmo é alcançado e a dependência das relações exteriores perde sua relevância, pois a pessoa passa a ter sua própria energia sem que precise da energia do outro para se manter “aquecida”. A partir daí, estar na companhia do outro é bom, assim como estar só consigo mesmo. Estes são os efeitos da circulação libidinal presente em todos os organismos vivos, desde do homem aos vermes. Estamos falando de energia vital, afinal.    

 

Diz Gerda:

Parece-nos que um paciente estará bem mais forte em suas situações exteriores quando ele não tiver mais nada a temer de seu próprio mundo interior. Gerda. . 130.

 

As possibilidades terapêuticas também são capazes de levar o ser a recuperar sua autoconfiança, seu amor, principalmente quando trabalham em pró da circulação libidinal pelo organismo de maneira fluida, natural. Quando gozamos de nossa circulação libidinal, estamos fisiologicamente e psicologicamente em boa saúde. 

 

   

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