Série Construindo a Identidade

Uma Nota sobre a Identidade

Por Susana Z Scotton

 
Texto de abertura da série “Construindo a Identidade”. Esta série compreende a ideia de um diálogo claro e aberto com pais, professores, educadores e com os demais envolvidos no desenvolvimento bio-psico-social de uma criança. Aqui trabalharemos de forma resumida a noção básica de identidade. 

 

A palavra identidade nos remete ao que é igual, ao que é idêntico. Entretanto, algo só tem uma identidade se há traços que o diferenciam dos demais. Um lápis grafite é idêntico a outro lápis grafite, se não levarmos em conta diferenças de marca, modelos, etc. Esse lápis só é assim, porque não é um lápis colorido, ou uma régua, etc. Assim também se processa na língua: a palavra “fala” só tem sua identidade fonética, gráfica e de significados, pois seus traços a diferenciam das outras tantas como, por exemplo, a palavra “cala”, que em função da presença de uma única letra (‘c’) é o “oposto” de “fala” e assim por diante.  

Isto é, queremos dizer que a palavra “identidade” evoca, por consequência, as palavras “alteridade”, “diferença”. Uma pessoa, por exemplo, possui sua identidade, no meio de outras tantas pessoas, por ter um nome e sobrenome, por ter um pai e uma mãe, que respondam à sua filiação, por ter um biotipo próprio, por ser morador de uma determinada cidade, estado, nação, pertencer a uma cultura… A identidade ao mesmo em que nos aproxima, nos assemelha, nos diferencia.

De acordo com Renato Mezan (1986), na obra Psicanálise, Judaísmo: ressonâncias, a identidade não é um elemento que possuímos ao nascer, mas, antes, é algo adquirido aos poucos, ao longo de nossa infância, de nossa educação, varia de acordo com cultura na qual estamos inseridos, etc. A identidade está situada no ponto de cruzamento entre o aparelho psíquico com o qual nascemos e algo que nos vem da realidade externa. 

Para a Psicanálise, a identidade vem por meio do processo denominado identificação.  Este processo de identificação culmina na constituição, “dentro de cada um de nós, de um eu, isto é, de uma parte nossa que vai nos parecer a única, porque é apenas dela que temos consciência” (MEZAN, 1986, p.21). 

Por isto, o sentimento de identidade está associado, segundo Mezan, à noção de continuidade: mesmo que o tempo passe, que estejamos em lugares diferentes, vivendo em contextos diversos, possuímos, na maioria das vezes, uma sensação subjetiva que nos acompanha e que nos confere a identidade. Junto ao fenômeno da continuidade está a sensação de limite. Por exemplo, sabemos os limites de nosso corpo – onde “começa e termina”, assim como o sentir-se inteiro na própria pele, etc. 

Mas é preciso dizer que nem todo mundo tem essa sensação de limite. Tais fenômenos que envolvem as sensações de permanência, continuidade, limites claros entre si e os outros não são tão naturais para alguns indivíduos. Para estes, que podem apresentar sintomas muito variados, a noção de identidade é pouco estruturada e isto pode afetar bastante o seu desenvolvimento bio-psico-social. 

A construção da noção de identidade tem seu início na relação mãe-bebê, pois é ela que irá ajudá-lo a construir um “eu”. Por isto, as nuances desta construção dependem da maneira como a mãe lida com seu bebê, o que, por sua vez, também depende da maneira como ela lida com sua própria psique e com seu próprio “eu”. A função do “eu” é, de acordo com Mezan, conferir sentido ao que ocorre à psique, ao que vai lhe acontecendo por estar dentro de um corpo e num sistema de relações com os outros seres humanos. Por isto, é preciso que o “eu” seja capaz de uma atividade psíquica que não se confunda com a fantasia, que seja capaz de discernir entre ilusão e realidade.

A mãe ou a pessoa responsável pelos primeiros cuidados é a primeira envolvida nesse processo de construção de identidade. O pai e demais membros da família e a escola também desempenharão um importante papel neste processo. Em função desta importância social que temos enquanto pais, mães, educadores e cidadãos, ou seja, enquanto pessoas que propiciam, de maneira direta ou indireta, meios para que haja um desenvolvimento saudável da identidade, inauguramos este série de reflexões sobre a “construção da identidade” (Construindo a identidade), que envolverá reflexões sobre o bebê, a criança e o jovem, sobre algumas questões específicas, e como poderemos cooperar para um desenvolvimento saudável. A ideia é de conversa que se pretende um diálogo claro, aberto, generoso. 

Próximo texto sobre a Criança e o Brincar. 

 

Construindo a Identidade: Como Acompanhar as Brincadeiras das Crianças.

Susana Z Scotton

 

De acordo com o historiador erudito, Johan Huizinga, em sua obra Homo Ludens (1999), o jogo tem importância fundamental para o ser humano. Trata-se de algo muito primitivo; é o que nos aproxima dos animais; é o que antecede a cultura e a subsidia. No jogo – e aqui estenderemos para a noção da brincadeira infantil, uma vez que seus aspectos remontam o jogo – estão subjacentes todas as artes de expressão e competição, inclusive as artes do pensamento e do discurso. O jogo, pelo seu aspecto dúbio biológico (pelo uso do corpo) e simbólico (nos seres humanos), funciona como um movimento de autorregulação. 

A criança, quando brinca, é tributária de toda ancestralidade presente no jogo. O brincar para ela é profundamente importante, como já assinalaram teóricos como Melanie Klein, entre outros, porque a partir desta atividade ela pode “externar” seu mundo interno de forma criativa e saudável.   

Quando uma criança brinca, ela se entrega totalmente a seu próprio universo; está no centro de sua circulação libidinal. Vive uma independência benéfica, absorta por um sentimento de alegria, concentrada, esquecendo-se completamente do mundo exterior. Se a mãe ou algum outro indivíduo aparece para perguntar o que ela está fazendo, dependendo da forma como a aborda, é provocado um verdadeiro choque para a criança que está num momento de “intensa concentração”. Pois a criança quando brinca, brinca com o corpo – “faz corpo com sua atividade”. Está entregue de “corpo e alma”, como se diz, em sua atividade. O mundo mágico da criança não é um mundo irreal ou algo oposto ao real, mas é o mundo interior dela. 

Por isso, o efeito desta experiência pode resultar no reflexo de sobressalto – tal qual um susto muito forte. O efeito de sobressalto, segundo as teorias da Psicoterapia Corporal, faz com que a energia da pessoa seja retirada para as profundezas do organismo, produzindo uma tensão. Esta tensão provocada impede a livre circulação libidinal. A circulação libidinal pode ser entendida como a energia vital que todo organismo vivo tem e que é responsável pela saúde e pelo bem estar. As interrupções provocadas neste sistema de livre circulação acarretam graves consequências para o funcionamento natural do sistema bio-psiquico-social humano. 

Há também outro aspecto desta história. Uma vez interrompida, a criança retoma sua atividade com uma espécie de sentimento de “antecipação”, como se pudesse antecipar outra interrupção e ela, a partir daí, não consegue a mesma fluidez no ato de brincar. Isto tudo porque a criança é muito aberta, muito mais que o adulto, e a interrupção, neste caso, pode ser equiparada, segundo Boyesen (1986), a uma experiência sexual interrompida. Quando uma pessoa está tendo relações sexuais satisfatórias e é interrompida no meio do ato por uma terceira pessoa que adentra no quarto, por exemplo, um choque muito sério poderá ser registrado. 

As crianças gostam muito de ter os adultos por perto. Tê-los por perto as reconforta. É possível estar perto, fazer-se presente, respeitando o brincar e o momento do brincar. O adulto pode brincar junto, pode participar, mas deve deixar que a criança tenha momentos a sós com as suas atividades lúdicas para que possa se descobrir, descobrir suas preferências, lidar com suas questões, desenvolver sua criatividade. 

Os adultos normalmente tendem a interromper a criança de forma desatenta para chamá-la para outra atividade. Eles a interrompem também para “checar” o que elas estão fazendo: “O que você está fazendo?” Do que você está brincando?”  Ou então pelo medo de que estejam fazendo “algo errado”: “quando tudo está quieto é sinal de que está fazendo ‘arte’”. Os adultos fazem isto como forma de se fazer presente ou mesmo por achar que isto demonstra interesse sobre a criança. Mas é ruim ser interrompido em um momento importante. 

Há momentos que é preciso chamá-la; há momentos em que a interrupção é necessária. Afinal, há a hora para se alimentar, para sair, para dormir… há uma rotina que também deve ser respeitada e é benéfica. Quando a interrupção de fato tiver que ser feita, vale que o adulto module seu tom de voz; atente-se para como adentrará no espaço da brincadeira da criança; pense na melhor forma de abordar a criança, com respeito e com carinho pelo seu momento. Momento que deve ser entendido como de extrema importância para o seu desenvolvimento.   

FONTES

BOYESEN, G. Entre Psiquê e Soma – Introdução à Psicologia Biodinâmica. Summus: São Paulo, 1986. 

HIUZINGA, J. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. Perspectiva: São Paulo, (1999).

Construindo a identidade: O prazer no lugar do desejo.

Por Susana Z Scotton

 

Eu sei de mim se eu posso sentir.

 

A construção da identidade de um indivíduo também é uma construção visceral. Num primeiro instante, com o nascimento, o que se tem é um corpo com necessidades primordiais de ser alimentado, confortado, acolhido, ser visto em suas necessidades. Por exemplo, um bebê tem fome, mas às vezes tem uma hipertensão que já está instalada em seu corpo e necessita fazer uma descarga desta tensão ao invés de ser apenas alimentado. Assim, aos poucos ele vai sendo respeitado em suas demandas para mais para frente também aprender a se respeitar. 

Esse pequeno corpo que se desenvolve deve ser ouvido primeiramente em suas necessidades para que haja uma construção saudável do eu, da identidade, que está relacionada ao se perceber, ao aprender a se consultar. Como o ego é corporal (para Freud, para Reich), a identidade transita por esta consulta do que é visceral, do que é sensorial. O indivíduo só pode saber de si mesmo se ele teve e tem o tempo do sentir e isto faz parte de uma construção desde os primeiros momentos, em suas relações com seus cuidadores. Então, para falar de identidade é preciso falar de um direito de sentir. 

Porém, estamos num momento em que o tempo de maturação dos processos orgânicos, que envolvem o indivíduo como um todo (maturidade para se ter determinadas experiências, os processos de luto, de nascimento, de aprendizagem, etc.), é pouco respeitado. Isto quer dizer que as decisões sobre “o que fazer”, “o aproveitar a vida” têm que ser tomadas sem que se respeite necessariamente o biorritmo dos desejos, porque a necessidade de obtenção do prazer – a ordem do prazer – se coloca na dianteira dos acontecimentos. Neste sentido, a noção do eu e a própria identidade “são colocados à prova”.    

O que suplanta essa discussão é “a modernidade líquida” descrita por Bauman como o resultado de um mundo repleto de sinais muitas vezes confusos, em constante mutação e se alterando de forma imprevisível. Essa ideia está relacionada ao quanto o prazer está tomando o lugar do desejo; como se as pessoas tivessem que ter prazer sem ao menos ter tempo para observar o próprio desejo. Na era da velocidade da comunicação, as informações saltam aos olhos “sem pedir permissão”; há uma enxurrada de ofertas de prazer ou de vislumbre do que seria o ideal de prazer. Mas qual seria de fato o desejo do indivíduo? O que ele de fato está sentido? 

É como se não houvesse mais tempo, tal qual o “responda agora”: “o que você quer? Quer esse ou aquele?” É preciso ter prazer e tem que ser rápido. O tempo para se consultar e ver o que realmente se quer se torna inviável. E nesse percurso, as pessoas vão diretamente para o prazer, fazendo um caminho que não passa pelo desejo. Então, que sentido tem algo conquistado, mas que não foi de fato desejado? É muito difícil assimilar o que não se desejou como prazer e o que resta desta equação é a eterna insatisfação, o vazio existencial.  Já o desejo envolve a angústia, a frustração e a possibilidade de se conhecer, de se consultar, de se perceber, de negociar com a realidade as possibilidades de sua realização ou não. O prazer imediatista não pressupõe este caminho, mas intensifica as possibilidades do consumo e, depois, do tédio e da busca incessante por outro novo prazer. 

Entretanto, há uma ordem que diz que é preciso estar feliz, afinal este mundo tem tantas opções. Há muita coisa disponível, mas mesmo assim nem sempre é o que o indivíduo quer. As pessoas às vezes nem decidem se sua opção era realmente o seu desejo; apenas atendem à ordem do prazer vinda de fora, programada. Os pais, por exemplo, costumam dizer: meus filhos têm tudo, o que poderá torná-los infelizes? Ora, muitas vezes, os filhos têm tudo que os pais querem dar, mas nem sempre o que eles desejam. Na verdade, eles têm o que a sociedade determina como algo desejável, mas esta oferta nem sempre é exatamente o desejo do indivíduo. 

A situação da primazia do prazer em relação ao desejo faz com que as pessoas se percam num processo de alienação; elas perdem a capacidade de parar e dizer “olha, o meu desejo é outro” … “mesmo que o ideal seja uma viagem para Paris, eu gostaria de ir para outro lugar mais simples, pois isto de fato me faria feliz”. Ao investir num prazer sem se consultar, o ser humano vai solapando sua identidade, solapando sua capacidade de decidir. 

Esse excesso de opção resulta numa pressão psíquica. Uma pressão psíquica que gera confusão, uma sensação de como se fosse impossível se contentar com a própria vida, apesar de “se ter tudo”. Talvez uma das maiores riquezas que se perca seja a capacidade de se consultar, de se consultar em relação aos desejos antes da ordem do prazer, de sentir o sensorial, de se perceber em direção à satisfação numa sociedade em que o prazer já está pronto, dificulta a construção da identidade.

 

Construindo a identidade: Sobre o desfraldar

Por Susana Z Scotton

 

O desenvolvimento psicossexual de uma criança é descrito pelas fases oral, anal e genital, dentro da literatura psicanalítica (Freud, Reich, Abrahm, etc.). Grosso modo, isto quer dizer que a boca, o ânus e os órgãos genitais são vias de prazer que estão ligadas ao funcionamento orgânico primordial, que é, aos poucos, adquirido pelo bebê e posteriormente pela criança. 

O animal da espécie humana não nasce pronto. Demora até que ele possa se alimentar sozinho, fazer suas necessidades, andar, correr, etc. até, então, sua sobrevivência está atrelada a um cuidador, num primeiro momento, que geralmente, é a mãe. Uma vez que sua dependência está atrelada a outro ser humano, a forma com a qual este outro lidará com as necessidades primárias do bebê influenciará seu desenvolvimento biológico, psicológico e social.  

O bebê nasce, por exemplo, dependente da necessidade de que alguém o alimente. Alimentar-se relaciona não só aspectos ligados estritamente à sobrevivência, mas ao prazer que, neste caso, dá-se pela boca, via oral. Na verdade, é uma coisa só: prazer, sobrevivência. A forma como o bebê será alimentado também interfere na qualidade deste prazer e, consequentemente, na forma como ele lidará com o seu corpo e com o mundo. 

Conforme os meses vão passando, o desenvolvimento começa a relacionar outras partes do corpo. Num primeiro momento, por exemplo, o bebê não tem controle de seus órgãos genitais e de seu esfíncter, o xixi e as fezes não podem ser “controlados”. Aos poucos, a criança começa a adquirir este controle e o prazer passa a ser ligado à região do ânus. E novamente o trato do adulto ou responsável por ela, nesta nova fase que se inicia, afetará a forma como ela irá lidar com seu corpo. É como se a fisiologia fosse modelada por essa equação emocional complexa que permeia o desenvolvimento envolto por cuidados. Esses cuidados ajudam ou atrapalham a relação do ser com seu próprio corpo, com a construção de seu sentimento de identidade, de continuidade, de pertença e, consequentemente, sua relação com o mundo. Um corpo afeta o outro.  

Essa imbrincada relação do corpo humano em dependência com outro corpo afeta a estrutura emocional e biológica do organismo que se desenvolve. É por meio deste outro corpo que aspectos essenciais da cultura serão impregnados e transmitidos ao ser em desenvolvimento. Uma das questões mais delicadas em nossas sociedades é o trato com a toillet, geralmente ligada à sujeira, à vergonha… como se não fosse algo natural de todos os seres vivos. Qualquer organismo capaz de transformar um alimento em energia produz um “dejeto”. 

Mas essa noção da “nojeira” de nossas excreções tem uma razão de ser dentro do processo civilizatório. A sociedade europeia, por exemplo, passou por um processo de desenvolvimento muito rápido e antes mesmo que estivessem disponíveis as facilidades sanitárias que hoje existem. A falta desta estrutura sanitária agravou os riscos em relação à contaminação, comprometendo a saúde dos homens por muito tempo. Há relatos de que os dejetos eram despejados pelas janelas dos antigos casarões, permanecendo na rua, aqui, no Brasil, por exemplo. Foi, então, preciso que se criasse uma cultura de higiene para que as formas de lidar fossem modificadas. 

Assim, o treino exagerado e prematuro da toillet acabou sendo necessário de alguma forma para a sobrevivência. Porém, de acordo com Lowen, o exagero em relação à limpeza por parte dos europeus – que acabou ficando como herança cultural para nós – acaba tolhendo parte da espontaneidade e a alegria das crianças pequenininhas. Isto por que a excessiva limpeza, o asseio feito de forma muito mecânica (o trocar fraldas com muita rapidez e de forma automática), que leva ao trato compulsivo com as fezes do bebê, acaba inibindo sua espontaneidade com seu próprio corpo. Um desses manuseios referentes à limpeza é a pressa em tirar as fraldas do bebê antes mesmo que ele esteja pronto para tanto. Muitas vezes, essas experiências acabam cooperando para que ocorram algumas dificuldades biopsíquicas no futuro adulto que vão desde de um funcionamento intestinal mais difícil até questões comportamentais.  

Claro que a vida civilizada requer que todas as crianças tenham um treino da toillet e, logicamente, os adultos dão relativa atenção às funções excretoras. De tal forma isso ocorre que todas as questões do asseio infantil ficam por conta da maneira como adulto as encara. 

A maioria das crianças que crescem em ambientes civilizados terá algum tipo de mau funcionamento do ânus, conforme comprovam as experiências clínicas de Reich e Lowen. Pois, a tentativa por parte do infante de desenvolver o controle prematuro do esfíncter resulta em espasmos e tensões dos músculos glúteos e músculos da coxa. Uma vez que isso se configura, surgem bloqueios energéticos e consequentemente há uma sobrecarga na região que cria um erotismo anal que pode vir a ser patológico. 

A inervação motora do músculo esfincteriano anal externo se mieliniza muito mais tarde, de modo que não é possível ter o seu controle total no início da vida. O corpo sente essa exigência como uma agressão: as crianças contraem as nádegas, erguem o assoalho pélvico e contraem a parte posterior das coxas para impedirem seu movimento. Na medida em que essa se torna uma condição dolorosa, desenvolve-se um conflito sério relacionado às tendências destrutivas e à submissão.    

As tendências destrutivas encontradas numa criança vêm exatamente das interferências feitas nas necessidades e ritmos naturais, mas isso pode e deve ser evitado. Para saber o melhor momento de tirar as fraldas do bebê, por exemplo, vale perceber como está o seu equilíbrio corporal, ela já consegue subir as escadas com alguma segurança, por exemplo? Se ela já estiver pronta para subir e descer as escadas, o cuidador já pode pensar em começar o treino de toillet.

Será que não poderíamos deixar a criança usar fraldas até que ela possa compreender a natureza dessas funções e expresse numa linguagem simples e clara suas necessidades? Será mesmo que deveríamos agir tão prontamente a fim de nos livrarmos desse encargo? A naturalidade e a paciência podem nos apontar caminhos mais naturais de lidar com esta importante fase.  

REFERÊNCIAS

LOWEN, A.. O corpo em terapia – a abordagem bioenergética. Tradução de Maria Sílvia Mourão Netto. São Paulo: Summus, 1977.

REICH, W. Análise do Caráter. Tradução de Maria da Glória Novak. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

______. A função do orgasmo. 4.ed. Tradução de Maria da Glória Novak. São Paulo: Brasiliense, 1978.



Construindo a identidade: A sexualidade infantil e o papel do adulto

Por Susana Z Scotton

 

Nessa fase, entre os 5 e os 6 anos de idade, a criança se vê envolta por seus desejos egocêntricos e o mundo real, social, feito de limites, normas de convívio. Por isto, a figura do professor deve funcionar como uma referência e, por meio do vínculo com ele, a criança pode expressar todo esse conflito, na medida em que é acolhida em suas dúvidas e angústias.

Isso também inclui a sexualidade em desenvolvimento. As experiências com o próprio corpo, como fonte de prazer, o corpo do outro, que é diferente do seu, que gera curiosidade e “experimentações” (como as brincadeiras em que tanto meninos como meninas encarnam diferentes papeis de pai, de mãe, etc.) devem ser vistos com naturalidade pelo adulto (pais, mães e mestres). As orientações aí também devem ser respeitosas, de forma a acolher as dúvidas e orientar, de acordo com as condutas sociais de proteção. 

A proteção deve servir de guia para o adulto com o intuito da criança não se machucar ou machucar outrem, de não se “expor” ou expor o outro. Mas a orientação, se possível, neste caso, deve perder a conotação repressiva. Afinal a criança não tem a compreensão de tudo o que a sexualidade implica em nossa cultura. Para ela, é natural, é descoberta e nada mais justo do que tratar o ser em desenvolvimento, com o frescor das novidades, de forma branda, gentil e acolhedora. 

É gostoso se tocar. Conhecer o próprio corpo, é importante!  Saber-se diferente e igual é fundamental para o crescimento. Mas não vale se machucar… a intimidade deve ser resguardada e protegida. O amor entre os amigos é saudável, natural e excitante. O olhar do adulto acolhedor, cuidador, deve ser de respeito pelo afeto entre as crianças, sem “adultizar”, sem “sexualizar” e sem reprimir. Se passar dos “limites”, orientação com amor. Olhos nos olhos e tom ameno. É possível ser firme com ternura.   

O adulto cuidador pode confiar na natureza humana primordial, biológica, em que a sexualidade, vivida de forma saudável, é uma energia vital, capaz de regular o organismo, capaz de promover sentimentos e sensações de amor, de compaixão, de satisfação. Neste sentido, os esforços serão mais bem sucedidos se forem capazes de “dar contorno” e proteção à sexualidade que se desenvolve.    

As crianças, nesta fase, vivem um momento bastante especial e, muitas vezes, ficam em constante tensão e, portanto, precisam encontrar um lugar que as assegure com acolhimento ao mesmo tempo as encorajem para a vida. Esse lugar é geralmente, a própria casa, o ambiente familiar, com os entes queridos, em que ela pode manifestar suas fraquezas, seus medos, suas demandas. 

A escola também pode ser um espaço no qual ela encontrará amparo por meio da figura de um professor com capacidade de acolhê-la e incentivá-la em sua autonomia. Neste momento de inserção na cultura, momento maravilhoso, mas que gera temores, a escola pode ser um local de primeiras experiências sociais enriquecedoras e que, assim, proporcionarão escolhas saudáveis futuramente. A escola deve priorizar a criatividade ao invés do cognitivo. Caso contrário, corremos o risco de perder a expressão ímpar e essencial em potência plena do sensorial e do criativo. 

Por isto, o trabalho e o esforço devem ser conjuntos, agregados, em consonância na medida do possível. Somos todos aprendizes nesta jornada. A criança nos ensina sobre nós, sobre nossa educação, sobre nossos temores, sobre nossa sexualidade. Olhemos para ela e olhemos para nós. O desafio instigante da vida passa sempre pelo processo de desenvolvimento no qual nos identificamos com elas, com nossos pares e semelhantes. Trabalhemos em conjunto.

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