Os efeitos do consumo no cotidiano das relações

de Susana Z Scotton

Não vamos falar sobre algo novo. Provavelmente o leitor já ouviu a respeito dos efeitos do consumismo nas relações, sendo que o consumo para se efetivar convoca a expectativa da novidade e da individualidade, sendo que por trás do consumo há a promessa de felicidade. Por isso o convite deste texto é para que consigamos atravessar a teoria dessa questão para a percepção disto no cotidiano.

 

Ingenuidade acharmos que não somos afetados pela cultura, seja qual for. É como se houvesse uma grande voz ecoando e nos embalando nos momentos mais desavisados. O consumo não está atrelado apenas aos bens materiais, mas a própria ideia de felicidade – se algo está ruim, triste, não anda, mudemos, pois no novo há a promessa de felicidade. 

 

Há uma voz, hoje, por exemplo, que nos impele a uma espécie de heroísmo individual, que também está atrelada à ideia de consumo, isto é, “tudo o que queremos, podemos”; “somos os responsáveis por absolutamente tudo o que nos ocorre e temos o direito a toda felicidade e gama de coisas que nos oferecem”. “A vida só não é perfeita se não quisermos”. “Merecemos o amor perfeito, a casa perfeita, o emprego perfeito…”, etc. afinal, devemos consumir o melhor e o novo sempre. Poder consumir nos qualifica. Como se as coisas da vida não fossem processos sujeitos a tempestades, maus tempos e também alegrias, como se não fossem construções sujeitas a desabamentos e reconstruções. Processos pressupõem tempo.

 

Se levarmos isso ao campo dos afetos, a pressa da novidade nos motiva a trocas constantes e gera a superficialidade nas relações. A troca constante de parceiros, de amigos, de lugares. É preciso estar sempre experimentando novidades, conhecendo lugares novos, gente nova. Mas até para absorver e vivenciar o novo precisamos de tempo e estranhamento. O estranhamento pode ser útil para não se fundir com algo logo de imediato e assim adquirir  – com o tempo – um conhecimento possível, sem fusão e sem tantos preconceitos. Experimentar e, logo, experimentar novamente pode mais desorganizar do que de fato levar a experienciar. Já o tempo e a constância podem nos ajudar a construir um lugar interno de aconchego familiar que podemos usar para nos resguardar das intensas convocações externas; um lugar que podemos consultar antes mesmo de nos entregar à ansiedade provocada pelo novo.   

 

Não há problema algum em gostar da novidade seja ela qual for. O problema é quando apenas o que é novo satisfaz tal qual uma ordem vigente. O aprofundamento nas relações e nos assuntos requer tempo, requer respiração, requer construção e desconstrução de expectativas e ilusões, requer olhar várias vezes para o mesmo plano, capturando suas nuances variadas tal qual experimentar o mesmo prato para decodificar os sabores. O encontro com o outro também se desvela com o tempo a partir  também do nosso processo de desvelamento – também nos conhecemos aos poucos.

 

Assim o convite deste texto é para que olhemos ao mesmo tempo com admiração e alguma reserva, que esperemos, para que a absorção seja pelo diálogo do mundo interno com o externo, computando a presença legítima do tempo.  Para que aceitemos o mal estar que precede a alegria de superação da tristeza, do alívio do medo, da descarga da confusão, quando descobrimos o sentimento e não raciocínio que confunde ainda mais. 

 

O encontro com os si mesmo depende de tudo isso – raiva, tristeza, excitação. 

  

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