Aspectos da depressão segundo a Psicologia Corporal

 

Susana Z Scotton

O paciente – ou o cliente – também não se remete à realidade ou ao delírio, parte, antes, de uma consciência intermediária, que compreende o passado, o futuro, as ideias, os sonhos e as ilusões. O campo do pensamento sofre interferências da neurose e é por ela confundido; assim, a clínica – a relação estabelecida nesse espaço – é o lugar onde o conflito é exposto.

 

O conflito abarca diferentes dimensões da vida psíquica, como a confusão, o sofrimento, que “brigam” pela ocupação de um mesmo espaço, interagindo num mesmo tempo, dentro do ser, e se confundem com a realidade. Isto é, do conflito emergem diferentes materiais que tentam se manifestar como “verdades”, mas, que, na maioria das vezes, trata-se de uma confusão.

 

A faixa de Gaza é também um lugar de transição, um território disputado por grupos que reivindicam cada um para si direitos de ocupação. A situação é crítica, caótica e mortal. Quem seriam os verdadeiros donos da terra? Por que não é possível conviver num mesmo espaço? Claro que essa questão remonta particularidades culturais que não nos cabe aqui comentar. Mas a imagem de um lugar de transição e conflito nos vale uma boa metáfora quando nos referimos ao que ocorre na clínica. O assunto é sério e envolve especificidades. Não dá para ver a “guerra” instalada na faixa de Gaza apenas por uma perspectiva, não é possível olhar as relações estabelecidas na clínica com ingenuidade, é preciso saber a dimensão do que se fala. 

 

O que se pronuncia ali (clínica) é permeado e camuflado por culpas, confusões, fantasmas gerados por traumas psíquicos que se manifestam como uma realidade camuflada de verdade. Há uma dualidade entre o passado insuportável e o presente que, nesse conflito reeditado, apresenta-se como o mais forte e que prevalece. Às vezes, mesmo que o sofrimento se ache reinvestido numa situação presente, há algo já adquirido pela pessoa que faz com que ela suporte de outra forma determinada situação. Por isso, a clínica é espaço de atenção: às vezes, o que se apresenta como insuportável pelo ser, em verdade, o fortalece e o põe mais preparado no mundo. Mas é preciso perceber essa atualização do trauma, de forma que não se permaneça na ilusão. 

 

 

A pessoa deprimida é incapaz de reagir. A incapacidade de reagir distingue o estado depressivo de todas as outras condições emocionais.  Nem toda depressão chega a estados de desânimo tão graves como aquelas em que as pessoas ficam prostradas sem conseguirem se levantar da cama durante um dia inteiro, por exemplo.

 

Lowen (1983), pai da Bioenergética, fala que o ponto em comum entre todos os casos, graves ou menos graves, é a irrealidade presente na atitude da pessoa e em seu comportamento. Isto é, a pessoa deprimida vive no passado de forma a negar o seu presente. Isso ocorre de forma que o trauma é perpetuado e ancorado na situação presente. Claro que a pessoa deprimida não sabe que está vivendo no passado, pois, ao mesmo tempo, também vive no futuro, uma vez que projeta uma imagem futura para anular a experiência do passado, mas isto também é irreal. Uma pessoa que foi rejeitada, que teve seu sentimento de segurança e auto-aceitação feridos, poderá viver em função de um projeto de vida em que ela seja sempre aprovada, aceita, esteja segura, etc. Porém, isso dificilmente ocorrerá na dinâmica da vida, o que acarretará sérias dificuldades para a pessoa. Diz Lowen: “A mente, em suas fantasias e devaneios, tenta anular uma realidade desfavorável e inaceitável criando imagens que exaltam o indivíduo e insuflam o seu ego”. (LOWEN, 1983, p.23)

 

A questão que se delineia nestes casos é que a pessoa fica direcionada por essas imagens e sonhos e perde de vista a experiência do passado que a “condenou” a estas projeções. Para Lowen (1983, p. 23): “Essas imagens são objetivos irreais e sua realização é um fim inatingível”.  Há, neste sentido, por parte da pessoa, um comprometimento com um futuro irreal.

 

Outra questão importante: a irrealidade da pessoa deprimida é manifestada pela falta de contato com o seu próprio corpo. Isto é, há uma falta de auto percepção; ela não consegue se ver como realmente é, já que sua mente está focalizada numa imagem irreal. Não consegue perceber as limitações impostas pela rigidez ou “frouxidão” de seu corpo; porém são essas imitações que viabilizam sua inabilidade de se realizar no momento presente. Não é capaz de sentir as perturbações no funcionamento de seu corpo, sua respiração inibida, sua mobilidade reduzida, etc., pois está, ao mesmo tempo, identificada com sua vontade e com sua imaginação: “A vida de seu corpo, que é a vida no presente, é considerada como irrelevante, uma vez que seus olhos estão num objetivo futuro que é o único que aprece fazer sentido” (LOWEN, 1983, p. 23). 

 

A depressão é atualmente comum, afirma Lowen, porque as pessoas perseguem objetivos irreais que em nada correspondem às suas verdadeiras necessidades como ser humano. Isso quer dizer que toda pessoa precisa de amor e de possibilidades de auto-expressão. É por meio do amor que temos a possibilidade de nos relacionarmos com a vida, nos sentido de pertencimento. O amor ativa o nosso sentimento de amor próprio. Por meio do amor, afirmamos nosso ser, nossa identidade e podemos nos expressar. Por sua vez, a possibilidade de auto-expressão é a base de toda vida criativa e origem de nossos prazeres. O self é vivenciado por meio da auto-expressão. Na pessoa deprimida, a auto-expressão é particularmente limitada senão bloqueada.  

 

O self é um fenômeno corporal e a auto-expressão significa a expressão de sentimentos. A pessoa deprimida tende a ter sua mobilidade reduzida, voz monótona, olhos opacos, etc. Para ela, muitas vezes, conseguir expressar sua tristeza ou raiva por meio do choro ou pela agitação é profundamente benéfico.     

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