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O tempo e o espaço da responsabilidade

Era uma vez os três porquinhos… já em idade de sair de casa, pois sua mãe não tem meios de sustentá-los, partem separados, seguindo caminhos distintos. Uma vez fora de casa, urge construir um lugar para morar. O primeiro porquinho constrói uma casinha de palha. O segundo porquinho, com um pouco de graveto, faz sua casa um pouquinho melhor que a do primeiro. O terceiro porquinho leva mais tempo para construir a sua e faz uma casa de tijolos da maneira mais sólida possível.
Eis que chega o lobo! O primeiro porquinho não tem chance alguma: o lobo sopra, a casinha desmorona e ele é devorado. O segundo porquinho tem o mesmo destino, apenas o lobo tem de soprar um pouco mais. Com o terceiro porquinho, a história muda de configuração. O lobo ameaça, sopra e nada. O lobo, então, muda de tática e tenta seduzir o porquinho com indicações de onde existem iguarias para ele, mas o esperto porquinho dribla o lobo mau. Frustrado, o lobo tenta entrar pela chaminé da casa do porquinho, que novamente se antecipa e se prepara e, por fim, o lobo acaba numa panela de água fervente1. Ou seja, aquele que veio comer acabou devorado.
Esse enredo simples toca as crianças pequenas que um dia terão de sair de casa e se proteger sozinhas; também partilha certa decodificação oral do mundo, dividida entre aqueles que comem e os que são devorados, algo que ainda persiste após o desmame. A arma do lobo também é a boca; dali vem o sopro e a lábia. A boca cumpre muitas funções quando se é pequeno, além de fonte de saciedade, conhecimento e prazer, é tal qual um portal. Os trânsitos que ainda sobram da relação com a mãe, o que resta para o bebê depois do cordão umbilical, terão passagem prioritária pela boca.
Diana e Mário Corso (2005) dizem que, nessa história, os porquinhos podem ser pensados como três em um. O trio representa a evolução da personagem. Num primeiro momento, à mercê de ser devorada, desprotegida, a criança aprende a criar empecilhos que os separam da mãe, fazendo com que sua vontade se diferencie da dela. A separação da criança tem que ver com o trabalho de se compreender como um indivíduo, algo árduo e lento e, principalmente, marcado por estratégias de defesa tais como se negar a comer ou a fazer algo que lhe é solicitado.

Parece, no entanto, que tornar-se um indivíduo é um empreendimento para toda vida. Construir paredes, aumentar os espaços, abrir ou fechar portas, cultivar um jardim (quem sabe?) são os afazeres constantes da morada da alma. A clínica, local que o indivíduo também habita, perscrutando lugares recônditos e até saltando sob o trampolim de insights reveladores, deve ser pensada com muito cuidado e seriedade. Penso que esse é um lugar em que deve haver um trabalho de respeito e ordem. É como Wilhelm Reich sugere: é preciso primeiro entender a dinâmica do funcionamento de cada ser, de cada situação. Num segundo momento, observar a dinâmica do funcionamento das coisas; para só, num terceiro momento, fazer uma leitura guiada por onde a energia circula.
Quando digo isso, quero dizer que é preciso entender antes como funcionamos e depois perceber qual é a nossa necessidade e qual é o nosso desejo, o que é consciente e o que é inconsciente. Ou seja, ainda falando de topos (lugar), entender que há uma topografia do aparelho psíquico de onde emergem as coisas. Para que dessa forma, possamos conhecer a energia que circula ou que é represada dentro de um relacionamento. Dentro desse esquema, interessa-me saber como o cliente funciona, qual o topos que ele habita e qual é o resultado energético disso.
E “do outro lado do setting”, o cliente também tem de aprender a fazer terapia. Antes das pessoas falarem, tomarem decisões, modificarem suas propostas e para que possam dar consistências aos seus propósitos, antes é preciso passar também por esses três estágios. Estou falando sobre as pessoas se responsabilizarem em relação ao resultado dos acontecimentos.  As pessoas contracenam no palco dos acontecimentos, com o marido, com a mãe, com o filho. A atuação parte de um lugar não percebido de si mesmo; é, por si só, uma não representação daquilo que se é em essência – ou que se pode tornar-se – de fato. A mãe compulsiva precisa de um olhar para si mesma antes mesmo de olhar para a compulsão do filho.
Se eu não perceber a dinâmica das minhas dores, eu delegarei ao outro minhas frustrações e passo sempre a ser a vítima. Como nos conta a história dos três porquinhos, é preciso sair da oralidade – voracidade – e depois de me alimentar nas relações permanecer e alimentar o outro. É preciso saber como eu funciono para me colocar de forma mais potente na vida e não ser eternamente vítima. Como nos conta a história, um frágil porquinho pode se tornar um devorador para não ser comido, torna
se, portanto, um indivíduo adulto consciente de suas escolhas e atitudes. Afinal, um adulto já não pode mais temer o lobo mau.
Mas como compreender seu próprio funcionamento, isto é, como construir uma casa sólida? Vale usar os recursos da cultura, do mundo, das crenças,… por exemplo:  qual é o seu signo? Como você reage quando fica triste? Chora ou se isola? Fica com raiva? Como reage quando está com medo? Quais os recursos que usa para falar de sentimentos? Onde busca assuntos interessantes para discutir numa roda com amigos? Como você faz amor? Como recebe o amor? Como você expressa a alegria? Qual foi seu último sonho? Qual a memória mais antiga que tem dentro de você? Qual é o conto de fadas que mais chama sua atenção? Faça uma releitura desse conto… e agora? O que ele diz sobre você? E na sua história o sapo costuma virar príncipe ou o príncipe costuma virar sapo? A princesa vira uma bela adormecida ou a bela adormecida vira uma princesa? O que você nunca faria? Como você conversa?
Uma casa sólida tem boas divisões, tem transparência, porém, privacidade. Um pouco de seriedade e cerimônia para ninguém invadir. Tem direito de escolher os convidados e o dever de respeitar quem se aproxima. Uma casa sólida tem a cozinha quente, luz do dia e aconchego da noite… tem abajur!
O que se repete na sua vida, na sua história…? Lembre-se de que a repetição é um capítulo da vida que se lê várias vezes… e que apesar de gostarmos de contar as mesmas histórias ou estórias o outro nem sempre gosta de assisti-las.
Vale ainda perguntar e confirmar com o outro se sua visão é real, se ela pode ser confirmada, se está de acordo com os fatos, se mais alguém sente e age como você e se suporta ser contrariado.
Por fim: quem é você? Qual é sua história?
REFERÊNCIA:
CORSO, D.; CORSO, M. Fadas no divã. Artmed, 2005.

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