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Construindo a Identidade: Como Acompanhar as Brincadeiras das Crianças.

Imagem de “Roda da Rosa” – Edward Potthast, Pintor norte-americano (1857-1927)

De acordo com o historiador erudito, Johan Huizinga, em sua obra Homo Ludens (1999), o jogo tem importância fundamental para o ser humano. Trata-se de algo muito primitivo; é o que nos aproxima dos animais; é o que antecede a cultura e a subsidia. No jogo – e aqui estenderemos para a noção da brincadeira infantil, uma vez que seus aspectos remontam o jogo – estão subjacentes todas as artes de expressão e competição, inclusive as artes do pensamento e do discurso. O jogo, pelo seu aspecto dúbio biológico (pelo uso do corpo) e simbólico (nos seres humanos), funciona como um movimento de autorregulação.

A criança, quando brinca, é tributária de toda ancestralidade presente no jogo. O brincar para ela é profundamente importante, como já assinalaram teóricos como Melanie Klein, entre outros, porque a partir desta atividade ela pode “externar” seu mundo interno de forma criativa e saudável.

Quando uma criança brinca, ela se entrega totalmente a seu próprio universo; está no centro de sua circulação libidinal. Vive uma independência benéfica, absorta por um sentimento de alegria, concentrada, esquecendo-se completamente do mundo exterior. Se a mãe ou algum outro indivíduo aparece para perguntar o que ela está fazendo, dependendo da forma como a aborda, é provocado um verdadeiro choque para a criança que está num momento de “intensa concentração”. Pois a criança quando brinca, brinca com o corpo – “faz corpo com sua atividade”. Está entregue de “corpo e alma”, como se diz, em sua atividade. O mundo mágico da criança não é um mundo irreal ou algo oposto ao real, mas é o mundo interior dela.

Por isso, o efeito desta experiência pode resultar no reflexo de sobressalto – tal qual um susto muito forte. O efeito de sobressalto, segundo as teorias da Psicoterapia Corporal, faz com que a energia da pessoa seja retirada para as profundezas do organismo, produzindo uma tensão. Esta tensão provocada impede a livre circulação libidinal. A circulação libidinal pode ser entendida como a energia vital que todo organismo vivo tem e que é responsável pela saúde e pelo bem estar. As interrupções provocadas neste sistema de livre circulação acarretam graves consequências para o funcionamento natural do sistema bio-psiquico-social humano.

Há também outro aspecto desta história. Uma vez interrompida, a criança retoma sua atividade com uma espécie de sentimento de “antecipação”, como se pudesse antecipar outra interrupção e ela, a partir daí, não consegue a mesma fluidez no ato de brincar. Isto tudo porque a criança é muito aberta, muito mais que o adulto, e a interrupção, neste caso, pode ser equiparada, segundo Boyesen (1986), a uma experiência sexual interrompida. Quando uma pessoa está tendo relações sexuais satisfatórias e é interrompida no meio do ato por uma terceira pessoa que adentra no quarto, por exemplo, um choque muito sério poderá ser registrado.

As crianças gostam muito de ter os adultos por perto. Tê-los por perto as reconforta. É possível estar perto, fazer-se presente, respeitando o brincar e o momento do brincar. O adulto pode brincar junto, pode participar, mas deve deixar que a criança tenha momentos a sós com as suas atividades lúdicas para que possa se descobrir, descobrir suas preferências, lidar com suas questões, desenvolver sua criatividade.

Os adultos normalmente tendem a interromper a criança de forma desatenta para chamá-la para outra atividade. Eles a interrompem também para “checar” o que elas estão fazendo: “O que você está fazendo?” Do que você está brincando?”  Ou então pelo medo de que estejam fazendo “algo errado”: “quando tudo está quieto é sinal de que está fazendo ‘arte’”. Os adultos fazem isto como forma de se fazer presente ou mesmo por achar que isto demonstra interesse sobre a criança. Mas é ruim ser interrompido em um momento importante.

Há momentos que é preciso chamá-la; há momentos que a interrupção é necessária. Afinal, há a hora para se alimentar, para sair, para dormir… há uma rotina que também deve ser respeitada e é benéfica. Quando a interrupção de fato tiver que ser feita, vale que o adulto module seu tom de voz; atente-se para como adentrará no espaço da brincadeira da criança; pense na melhor forma de abordar a criança, com respeito e com carinho pelo seu momento. Momento que deve ser entendido como de extrema importância para o seu desenvolvimento.

FONTES

BOYESEN, G. Entre Psiquê e Soma – Introdução à Psicologia Biodinâmica. Summus: São Paulo, 1986.

HIUZINGA, J. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. Perspectiva: São Paulo, (1999).

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